Processo de continuidade
Que balanço faz destes dez meses no comando técnico da Selecção Nacional?
O balanço é extremamente positivo. No fundo é uma continuidade de princípios e de processos de organização. Basicamente o que há de diferente é o facto de estar eu a liderar este processo. De resto, acaba por haver aqui uma vontade de dar continuidade e de potenciar o que já existia, que era muito bom, e do qual em que eu já fazia totalmente parte. Além disso, fomos precavendo ligeiramente as etapas competitivas futuras. A exigência competitiva que havia para este ano foi igualmente cumprida. E desse ponto de vista, tem sido muito positivo.
Dentro desse processo de continuidade, há algum ponto que distinga o actual Seleccionador Nacional do anterior?
Fortemente penso que não. Agora, a questão é que queremos sempre evoluir mais e temos de procurar novas metodologias, pequenos princípios que possam potenciar mais a nossa qualidade. Desse ponto de vista, há pequenas alterações normais e naturais que vão surgindo com o evoluir do processo. Mas não há qualquer ruptura. Já antigamente se trabalhava com bastante qualidade e claro que temos que dar continuidade a essa qualidade, tentando cada vez aparecer melhor.
Cada vez mais perto dos melhores
Os recentes jogos com a Espanha e o Brasil serviram de barómetro para certificar o momento actual da Selecção Nacional que acabou por bater-se de igual para igual. Este é um sinal que já estamos no topo ou pelo menos muito perto deles?
Acredito que sim. Temos de bater-nos de igual para igual seja com quem for, pelo menos do ponto de vista da nossa ambição e exigência. Toda esta estrutura e todos os jogadores que vêm ao espaço desta Selecção têm de perceber que queremos ganhar coisas e sermos cada vez melhores, e, isso implica vencermos os melhores. Do ponto de vista formativo, tentamos ver a melhor forma de o fazer. Às vezes acertamos, outras vezes não, mas julgamos que estamos no caminho certo.
Os jogos com o Japão e com a Roménia também foram extremamente interessantes para as nossas etapas de formação, porque há selecções cada vez mais fortes.
Todas as etapas de preparação do ponto de vista formativo foram positivas. Do ponto de vista competitivo, foi pena, porque era interessante vencer a Espanha e o Brasil. Mas mais interessante será quando for a sério, e aí, temos de perceber se do ponto de vista da nossa qualidade e organização, nos conseguiremos bater. Quando estiverem títulos em questão, temos de perceber que não é só discurso, é sim, olhar para a realidade e ver que temos competência para isso, sendo ambiciosos a todos os níveis.
E isso significa que poderemos ter um título de selecções em breve?
Temos de nos preocupar é com a qualidade da equipa em termos de organização, trabalho e estrutura, até porque estruturalmente há muitas coisas a melhorar. É essa a nossa preocupação, com as tarefas que nos levam a ter qualidade para poder ganhar coisas. Depois, o ganhar geralmente está associado a quem tem qualidade e é competente.
Nós, equipa técnica, temos de trabalhar todos os dias em termos de observação e acompanhamento rigoroso, para depois tentar sustentar de forma modelar o futuro do futsal. Na questão dos treinos, cada vez que estivermos juntos, procuraremos ter muita qualidade e ser extremamente competentes. Quando conseguirmos ter toda a gente com princípios e ambição comuns, revelando essa competência, vamos de certeza associar objectivos competitivos interessantes aos objectivos formativos.
Ainda assim, no último Europeu a Selecção Nacional acabou por sagrar-se vice-campeã. Na Croácia já poderemos ver Portugal como um candidato reforçado ao título?
Quando lá chegarmos vai ser uma época e meia a mais de preparação. Se eu digo que queremos sempre evoluir mais, temos toda a legitimidade em querer mais esse bocadinho. Mas não estamos preocupados com isso, porque ainda temos a qualificação para o Mundial, isto para além de etapas competitivas de preparação antes do Europeu.
Sabemos que as selecções vivem de momentos e de fases, e só temos de preparar condignamente cada uma das fases que iremos ter. Chegados ao Europeu, é simples: temos de estar preocupados com o nosso primeiro adversário.
A exigência dos adeptos face à qualidade da Selecção
Falou da fase de qualificação para o Mundial. O facto dos adeptos portugueses ‘exigirem' a presença de Portugal em todas as fases finais das grandes competições é um sinal de que a qualidade da Selecção Nacional é cada vez mais atestada. Esse facto traz-vos mais responsabilidades ou motivo de orgulho?
Mais orgulho do que responsabilidade. Ter de trabalhar neste espaço com os melhores é por si só sinal de responsabilidade, mas responsabilidades dessas gostamos nós. A nossa paixão por isto e a vontade de trabalhar com grande qualidade e empenhamento todos os dias é notória, seja aqui ou onde for. E sendo neste espaço, isso é ligeiramente reforçado. Ninguém quer mais a qualificação do que nós próprios. Não estou preocupado com isso. Preocupa-me sim, ser competentes para vencermos os melhores que ainda não vencemos em competições a sério.
A quem é incumbida a maior responsabilidade é a nós próprios, mas é bom que haja essa exigência e esse reconhecimento. Ainda bem que se diz que é ‘obrigatório' estar nas grandes competições. Era pior se as expectativas fossem mais baixas, era sinal de que não tínhamos grande qualidade e necessitávamos de andar a construir tudo de novo.
Apesar de esta última convocatória ser constituída quase na totalidade por jogadores novos, a verdade é que a Selecção Nacional apresenta-se se nos jogos praticamente com os mesmos atletas. O seleccionador brasileiro, Marcos Sorato, dizia aqui há tempos que a sua Selecção perde algum entrosamento pelo facto de ter muitas vezes de fazer duas convocatórias diferentes para os seus compromissos. Qual das duas situações é mais do seu agrado?
Ele tem um problema complicado (risos). No nosso caso, se faltar algum jogador, paciência, teremos outros. Mas é evidente que não temos quantidade/qualidade com competência ao mais alto nível e isso é visível para muita gente. Agora, temos gente nova a aparecer com muita qualidade, mas que não trabalha pelo menos em volume suficiente para, por exemplo, aparecer já no Europeu.
Na Selecção Nacional temos um leque restrito de muita qualidade e competência, mas se falharem dois ou três jogadores com determinado perfil e determinadas características, obviamente que a Selecção sente isso, ao contrário do Brasil, que tem um bom problema como costumo dizer. É claro que não me importava nada de ter tanta escolha, mas estamos preocupados com a nossa realidade, com vontade de precaver o futuro, às vezes ultrapassando etapas que deveriam ser cimentadas de outra forma. Mas os que cá estiverem, terão muita qualidade com toda a certeza.
O futuro está garantido
Acredita que destes 20 jogadores que convocou para este estágio possam vir a surgir boas soluções para o futuro da Selecção Nacional?
Sim, estes e outros que não estão cá. Há jovens a surgir com muita qualidade. Toda a competência deles depois constrói-se com trabalho, porque só com trabalho é que conseguimos ter sucesso. O talento cada vez chega menos. A verdade é que temos muita gente com talento que precisa de trabalhar, reforçar e cimentar esse dom.
O trabalho a que se refere tem também um pouco a ver com o que se faz nos clubes. Sente que os jogadores já chegam melhor preparados à Selecção em relação há alguns anos atrás quando era adjunto de Orlando Duarte?
As coisas têm vindo a melhorar bastante. Há clubes a trabalhar com muita qualidade, independentemente de algumas dificuldades estruturais que existem hoje em dia. Mas cada vez mais os jovens jogadores têm noção das exigências e mais conhecimento do jogo, contribuindo para isso o aparecimento de cada vez melhores treinadores. Se há agentes desportivos que têm melhorado imenso e que se preocupam em evoluir constantemente ao longo deste processo evolutivo do futsal, sem dúvida que têm sido os treinadores.
Equipa técnica que se complementa
O Professor José Luís tem sido o complemento perfeito no trabalho da equipa técnica?
Já pertencemos há muitos anos à equipa técnica da Selecção Nacional Universitária, apesar de não se dar muitas vezes o realce devido a essa selecção, que já trabalha desde 1996. Ainda joguei sendo o José Luís meu treinador e em 1998 passámos a formar os três a equipa técnica (Orlando Duarte, José Luís e Jorge Braz).
Existe uma continuidade de ideias, para além de ter sido uma escolha óbvia e natural, porque é uma pessoa com competência acima da média, à qual acresce-se um valor humano, de liderança, de regras e de vida colectiva ideais para estar numa Selecção. Hoje em dia nem sempre se conjugam esses valores com a competência técnica, mas o José Luís tem sido uma extensão fantástica. É uma equipa técnica à séria. Ser ele ou ser eu, é a mesma coisa.
Que diferenças existem entre trabalhar em clubes e na Selecção Nacional?
Há a diferença da continuidade do cimentar do ‘chip' da Selecção, que às vezes torna-se complicado pelas poucas etapas de preparação. Vamos terminar esta época com 43 treinos, números que as pessoas às vezes não têm noção.
Na equipa ‘central' da Selecção já existe gente com muitas internacionalizações, com muitas unidades de treino neste espaço e que estão perfeitamente identificados com determinados princípios e regras de vida colectiva que cimentam toda a nossa competência.
Mas são funções ligeiramente diferentes. Aqui, muito mais estratégicas a todos os níveis. Na planificação, na visão futura, na observação e nas decisões momentâneas que têm de ser forçosamente acertadas. No clube, temos um trabalho estratégico também, mas muito mais táctico, porque mexemos nisso diariamente. Adorei trabalhar nos clubes, mas também estou a adorar trabalhar na Selecção, gosto que já não vem de agora, uma vez que tive o privilégio de trabalhar com o Orlando Duarte.
Mudanças à vista
Recentemente a equipa técnica nacional promoveu em Coimbra uma reunião entre treinadores. Acabou por ser proveitoso esse encontro? Que ideias-chave retiraram para o futuro do futsal português?
O principal objectivo foi de reactivar esse espaço de discussão, mais do que propriamente as ideias fundamentais que daí tenham saído nesta fase. É importante os treinadores discutirem em local próprio.
Agora, saíram algumas ideias-chave que foram entregues devidamente documentadas na Federação Portuguesa de Futebol, que têm a ver com as preocupações com a formação e a organização das competições nacionais. Aproveitámos também para clarificar todo o trabalho que fazemos na Selecção, de modo a haver uma maior aproximação, até porque nós dependemos muito dos clubes. Nesta fase, o futsal necessita de um associativismo maior, de ideias gerais e comuns de toda a gente. E nesse aspecto, acabou por ser muito interessante.
Segundo a opinião quase generalizada, os quadros competitivos encontram-se desajustados. Acha que estes necessitam de mudanças fortes?
Algumas ideias foram apontadas, mais nas competições femininas e de formação. As Taças nacionais têm um modelo que já está em vigor há muito tempo e às vezes é preciso dar um passo em frente. Parece-me que podia-se potenciar algumas coisas de forma, mais ou menos ambiciosa, mas enquadrá-las com a actualidade.
E essas ideias têm pernas para andar?
Isso agora já depende de quem decide. Os treinadores tinham-nos manifestado essas ideias, os clubes agora também transmitiram algumas. Quem tem de tomar essas decisões, pelo menos já conhece quais são as preocupações da área técnica e da maioria dos clubes e isso já é extremamente importante para se poder avançar.
Futsal português é competitivo
Não lhe parece um contra-senso, numa altura em que Portugal tem obtido os melhores resultados internacionais a nível de Selecção e de clubes, haver um declínio competitivo no plano interno?
Face à conjuntura actual, existem dificuldades que alguns clubes estão a passar, mas temos de ter alguma capacidade para analisar correctamente o que acontece. Houve dois casos de duas equipas na primeira divisão que tiveram alterações bruscas nas suas estruturas. Aconteceram goleadas nessas duas situações, mas no resto não me parece que as equipas tenham perdido assim tanta qualidade. Basta ver o equilíbrio da primeira jornada do Play-off.
Quem acompanha constantemente a segunda e terceira divisão, constata que há equipas, projectos e jovens talentos com qualidade, com níveis competitivos muito engraçados. Portanto, não me parece que haja essa falta de competitividade.
Agora, estamo-nos a agarrar a dois casos muito particulares que aconteceram na primeira divisão, que não deviam acontecer, e então foi o chavão para a discussão durante toda a época. Catalogar o Campeonato só por causa disso, parece-me errado e injusto para outras equipas extremamente organizadas que vão-se adaptando às dificuldades estruturais e financeiras, face à conjuntura global do desporto e do país em geral.
Mas a sensação que dá é de que ainda não chegámos ao nível competitivo de outros países e a menor habituação a jogos com intensidades elevadas parece ser fundamental na altura das grandes decisões nas competições internacionais. Concorda?
Poderemos crescer muito mais estruturalmente e resolvermos algumas coisas. Agora, temos de ter consciência que neste momento é dificílimo haver um grande leque de equipas profissionais. Sabemos que a maioria das equipas até só treina ao final do dia. Depois isso também se reflecte ao nível das competições.
Temos é que nos preocupar em potenciar mais o futsal. Como? É fácil. Quem vai surgir no futuro está na formação, então temos que olhar para as competições da formação e dar outra qualidade aos nossos jovens em termos competitivos. Também não nos podemos esquecer de potenciar igualmente as estruturas superiores, tal como a primeira divisão.
Há outras coisas que teremos de olhar com outros olhos. Tais como coordenar a estrutura escolar e universitária. Já foram tantos os mundiais universitários que tivemos, que coordenados de outra forma é mais um espaço de elite para imensos jogadores jovens surgirem. Haver também uma maior coordenação entre todos os espaços de formação de futsal que existem, garantindo assim uma visão mais global, pode ser igualmente um bom indicador.
Fonte: Futsal Global
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